sexta-feira, 13 de novembro de 2015

DEPOIS DOS 30...



Depois dos 30 você descobre que não consegue mais viver sozinho. Que falta algo, mas não é sexo. Falta alguém ali, naquele lugar, no canto do sofá, te olhando eternamente. Falta uma xícara de chá entregue pelas mãos de quem te acordou. Um “boa noite” de madrugada, depois de uma longa jornada de séries na tv. Depois dos 30 ficamos mais seletivos, não vamos a todas as baladas, não frequentamos todos os lugares, não beijamos desesperadamente. Queremos somente a companhia de quem quer a da gente. Sem exigências, sem falsidades... Qua-li-ta-ti-va-men-te.


O barulho na casa do vizinho incomoda mais, porque é justo na hora em que você lê Clarice na companhia de sua vodca. De repente o barulho se vai, e você prefere ficar ali, deleitando-se com aquelas palavras efêmeras de quem não tem muito tempo para guardá-las. Sinal de que você não se preocupa mais em “decorar” frases de efeito, apenas dá a si uma oportunidade de tecer o sentimento para dentro, de guardar o tear, e mostrar o bordado.


Você se tornou musicalmente eclético e aberto, não existem mais rótulos, e todas as músicas são bem-vindas, aliás, quase todas. Do clássico ao brega, sem se preocupar com a crítica. Apenas sentindo a necessidade de sorrir ao ouvir, ou chorar, porque é mais fácil. E se desfaz de alguns discos, algumas pastas no computador. Muda a fé, refaz o caminho de sua crença, e aceita a religião do outro como ela é, sem pestanejar. Se envolve menos em debates, porque já está cansado de tanta fugacidade. E continua a vida, sem réplica, tréplica.... Desarmado.


Descobre também que o sexo é importante, quando feito com respeito e higiene, sem essas aberrações mundanas. Porque depois de muitas noites de encontros furtivos, prefere estar à luz do dia, de cara limpa e alma lavada. Sem esconder, mas sem sentir a necessidade de se expor. Somente ciente de tudo, daquilo que se quer, e do que não se quer, principalmente. E coloca a cara no sol, e vai viver.


Se antes os amigos eram muitos, hoje estão resumidos. Depois dos 30 você já não tem tanta paciência para piadas sem graça, hipocrisias e sorrisos falsos à beira de uma mesa, cercado de pessoas que você conheceu naquela noite, e que contam vantagens de suas vidas a todo tempo, em rodadas de bebidas e demagogias, sem cessar. O dinheiro é importante, e você luta diariamente por ele, mas não é seu dono. Não é medida de felicidade. Não é razão de uma amizade verdadeira, e você sabe disso, e não se mistura.


Depois dos 30 você já deve ter perdido algum amigo de infância, ou um amigo mais velho. Seus avôs estão velhinhos, ou quem sabe já se foram. Você percebe que seus pais estão envelhecendo, e toda vez que os visita, a vontade que tem é de ficar lá e parar o tempo, ou voltar o tempo, quem sabe.  E olha suas fotos de criança, e percebe que também envelheceu, e olha em torno da mesa da casa de seus pais, e relembra daquele tempo de pouca coisa, mas muito sentimento.


E não se preocupa em repetir roupas, comprar o mesmo perfume, assistir The Century Of Self um trilhão de vezes. Vira frequentador assíduo das livrarias da cidade, toma café com a mesma amiga todas as quintas, e caminha todas as terças com o seu cachorro. Aliás, essa rotina é que lhe salva da insanidade que é viver sozinho. E descobre que nunca mais vai amar como já amou, porque os sentimentos de hoje não suplantam os de outrora. E aceita a dor de ver partir alguém que você tanto cuidou, mas não pode pedir para ficar.


E vai fazer Pilates porque é importante para manter sua espinha ereta e o coração tranquilo, e entra na dieta pela 432º vez somente neste ano. E procura trabalhar menos, sorrir mais, correr menos, andar mais. A palavra de ordem é equilíbrio, e você sabe disto. Já se foi o tempo de loucuras, as responsabilidades diárias não deixam mais você jogar tudo pro ar e se tornar hippie. Encontra na solidão um aconchego momentâneo, mas não desiste de encontrar uma companhia que lhe traga paz em dias tempestivos.


Depois dos 30 você quer trocar os móveis, e agora busca uma decoradora; se antes o objeto decorativo da sua sala era aquele colchão surrado, agora tem um lustre apontando para a mesa de centro que você acabou de comprar. Tem facas e garfos suficientes para chamar os amigos para jantar, e tem água gelada para um amigo desavisado que ousa em aparecer. Tudo cuidado, organizado, inserido e disposto. Tem sempre um vinho à espera de uma noite romântica, e um jogo de lençol lavado com amaciante para quem sabe uma noite de amor.


E você sobrevive; se desfaz de todas as ilusões de antes, se refaz com todas as esperanças do amanhã, e acredita que, mesmo que não seja agora, uma hora tudo se renova. Tudo entra em órbita, e uma nova chance acontece. E descobre um novo amor, dessa vez sem cobranças e ciúmes, que por necessidade de sobrevivência, você prefere lealdade a viver uma pseudo felicidade. E cura as feridas, liberta-se das prisões e medos, e se torna senhor do seu destino. Sem viver de aparências, sem indiretas, sem certezas. E com o coração pulsante, a mente tranquila, e a alma em paz.



Caruaru, 14 de Novembro de 2015.



Leniclécio Miguel

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