Depois dos 30 você descobre que não
consegue mais viver sozinho. Que falta algo, mas não é sexo. Falta alguém ali,
naquele lugar, no canto do sofá, te olhando eternamente. Falta uma xícara de
chá entregue pelas mãos de quem te acordou. Um “boa noite” de madrugada, depois
de uma longa jornada de séries na tv. Depois dos 30 ficamos mais seletivos, não
vamos a todas as baladas, não frequentamos todos os lugares, não beijamos
desesperadamente. Queremos somente a companhia de quem quer a da gente. Sem
exigências, sem falsidades... Qua-li-ta-ti-va-men-te.
O barulho na casa do vizinho incomoda
mais, porque é justo na hora em que você lê Clarice na companhia de sua vodca.
De repente o barulho se vai, e você prefere ficar ali, deleitando-se com
aquelas palavras efêmeras de quem não tem muito tempo para guardá-las. Sinal de
que você não se preocupa mais em “decorar” frases de efeito, apenas dá a si uma
oportunidade de tecer o sentimento para dentro, de guardar o tear, e mostrar o
bordado.
Você se tornou musicalmente eclético
e aberto, não existem mais rótulos, e todas as músicas são bem-vindas, aliás,
quase todas. Do clássico ao brega, sem se preocupar com a crítica. Apenas
sentindo a necessidade de sorrir ao ouvir, ou chorar, porque é mais fácil. E se
desfaz de alguns discos, algumas pastas no computador. Muda a fé, refaz o
caminho de sua crença, e aceita a religião do outro como ela é, sem pestanejar.
Se envolve menos em debates, porque já está cansado de tanta fugacidade. E
continua a vida, sem réplica, tréplica.... Desarmado.
Descobre também que o sexo é
importante, quando feito com respeito e higiene, sem essas aberrações mundanas.
Porque depois de muitas noites de encontros furtivos, prefere estar à luz do
dia, de cara limpa e alma lavada. Sem esconder, mas sem sentir a necessidade de
se expor. Somente ciente de tudo, daquilo que se quer, e do que não se quer,
principalmente. E coloca a cara no sol, e vai viver.
Se antes os amigos eram muitos, hoje
estão resumidos. Depois dos 30 você já não tem tanta paciência para piadas sem
graça, hipocrisias e sorrisos falsos à beira de uma mesa, cercado de pessoas
que você conheceu naquela noite, e que contam vantagens de suas vidas a todo
tempo, em rodadas de bebidas e demagogias, sem cessar. O dinheiro é importante,
e você luta diariamente por ele, mas não é seu dono. Não é medida de
felicidade. Não é razão de uma amizade verdadeira, e você sabe disso, e não se
mistura.
Depois dos 30 você já deve ter perdido
algum amigo de infância, ou um amigo mais velho. Seus avôs estão velhinhos, ou
quem sabe já se foram. Você percebe que seus pais estão envelhecendo, e toda
vez que os visita, a vontade que tem é de ficar lá e parar o tempo, ou voltar o
tempo, quem sabe. E olha suas fotos de
criança, e percebe que também envelheceu, e olha em torno da mesa da casa de
seus pais, e relembra daquele tempo de pouca coisa, mas muito sentimento.
E não se preocupa em repetir roupas,
comprar o mesmo perfume, assistir The
Century Of Self um trilhão de vezes. Vira frequentador assíduo das
livrarias da cidade, toma café com a mesma amiga todas as quintas, e caminha
todas as terças com o seu cachorro. Aliás, essa rotina é que lhe salva da
insanidade que é viver sozinho. E descobre que nunca mais vai amar como já amou,
porque os sentimentos de hoje não suplantam os de outrora. E aceita a dor de
ver partir alguém que você tanto cuidou, mas não pode pedir para ficar.
E vai fazer Pilates porque é
importante para manter sua espinha ereta e o coração tranquilo, e entra na
dieta pela 432º vez somente neste ano. E procura trabalhar menos, sorrir mais,
correr menos, andar mais. A palavra de ordem é equilíbrio, e você sabe disto. Já
se foi o tempo de loucuras, as responsabilidades diárias não deixam mais você
jogar tudo pro ar e se tornar hippie. Encontra
na solidão um aconchego momentâneo, mas não desiste de encontrar uma companhia
que lhe traga paz em dias tempestivos.
Depois dos 30 você quer trocar os
móveis, e agora busca uma decoradora; se antes o objeto decorativo da sua sala
era aquele colchão surrado, agora tem um lustre apontando para a mesa de centro
que você acabou de comprar. Tem facas e garfos suficientes para chamar os
amigos para jantar, e tem água gelada para um amigo desavisado que ousa em
aparecer. Tudo cuidado, organizado, inserido e disposto. Tem sempre um vinho à
espera de uma noite romântica, e um jogo de lençol lavado com amaciante para
quem sabe uma noite de amor.
E você sobrevive; se desfaz de todas
as ilusões de antes, se refaz com todas as esperanças do amanhã, e acredita
que, mesmo que não seja agora, uma hora tudo se renova. Tudo entra em órbita, e
uma nova chance acontece. E descobre um novo amor, dessa vez sem cobranças e
ciúmes, que por necessidade de sobrevivência, você prefere lealdade a viver uma
pseudo felicidade. E cura as feridas, liberta-se das prisões e medos, e se
torna senhor do seu destino. Sem viver de aparências, sem indiretas, sem
certezas. E com o coração pulsante, a mente tranquila, e a alma em paz.
Caruaru, 14 de Novembro de 2015.
Leniclécio Miguel
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